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- Publicado em Terça, 17 Julho 2012 22:06
- Escrito por Gina Kolat The New York Times
O doutor Lukas Wartman, paciente de leucemia, é examinado pelo colega John DiPersio no Barnes-Jewish Hospital, em Saint Louis. - The New York Times
Os pesquisadores de genética da Universidade de Washington, um dos principais centros de pesquisa do genoma humano do mundo, estavam arrasados. O Dr. Lukas Wartman, um jovem colega, talentoso e amado, fora acometido pelo câncer que ele havia dedicado a carreira a estudar. Ele estava se deteriorando rapidamente. Nenhum tratamento de que se tinha conhecimento era capaz de salvá-lo. E ninguém, até onde a equipe sabia, jamais investigara a composição genética total de um câncer como o dele.
Então, em um certo dia do de julho passado, o Dr. Timothy Ley, diretor associado do instituto do genoma da universidade, convocou sua equipe. Por que não investir todas as nossas fichas em verificar se conseguimos identificar qual gene trapaceiro está estimulando o câncer de Wartman, uma leucemia linfoblástica adulta aguda? "É agora ou nunca", ele se lembra de lhes ter dito. "Nós só teremos uma chance."
A equipe de Ley experimentou um tipo de análise que nunca tinha feito antes. Eles sequenciaram todos os genes, tanto das células cancerígenas quanto das células saudáveis de Wartman, para compará-los, analisando, ao mesmo tempo, o RNA do colega, primo químico próximo do DNA, em busca de indícios do que os seus genes estavam fazendo.
Os pesquisadores do projeto colocaram outros trabalhos de lado por semanas, operando uma das 26 máquinas de sequenciamento e o supercomputador da universidade vinte e quatro horas por dia. E encontraram o culpado – um gene normal que estava extenuado, produzindo enormes quantidades de uma proteína que parecia estar estimulando o crescimento do câncer.
Melhor ainda foi descobrir que havia um novo e promissor medicamento, o Sutent, que poderia desativar o gene defeituoso – um remédio que havia sido testado e aprovado apenas para ser administrado em caso de câncer renal avançado. Wartman se tornou a primeira pessoa a ser tratada com ele no tratamento contra a leucemia.
Agora, ao contrário do que indicavam todas as adversidades, o câncer está em remissão. Embora ninguém possa dizer que Wartman está curado, ele, após enfrentar a certeza de que iria morrer no ano passado, está vivo e bem.
Wartman é pioneiro de um novo método de interrupção do câncer. O que é importante, segundo os pesquisadores médicos, são os genes que induzem o câncer, e não o tecido ou órgão – o fígado ou o cérebro, a medula óssea, o sangue ou o cólon – onde o câncer se origina.
Uma nova abordagem
O câncer de mama de que sofre uma mulher pode ter causas genéticas diferentes do câncer de mama de que sofre uma outra e, de fato, podem ter mais em comum com o câncer de próstata sofrido por um homem ou com o câncer de pulmão sofrido por outro paciente.
Trabalhando com essa nova abordagem, os pesquisadores esperam que o tratamento seja adaptado para dar conta de mutações de tumores de indivíduos específicos, com medicamentos, eventualmente, que enfrentem vários dos principais genes defeituosos de uma só vez. Os coquetéis de medicamentos seriam análogos ao do tratamento do HIV, que utiliza vários medicamentos diferentes para combater o vírus em várias regiões fundamentais.
Não há consenso entre os pesquisadores a respeito de quando o método, conhecido como sequenciamento total do genoma, estará disponível para o grande público e será coberto pelas seguradoras de saúde – as estimativas variam de alguns anos a uma década. Mas eles acreditam que a abordagem é extremamente promissora, embora ainda não tenha curado ninguém.
Com a queda acentuada nos custos de sequenciamento e a explosão das pesquisas sobre genes, os especialistas esperam que as análises genéticas do câncer se tornem rotina. Assim como patologistas produzem hemoculturas para identificar quais antibióticos usar, o sequenciamento de genomas irá indicar quais medicamentos podem conter um câncer.
"Até que se saiba o que está impulsionando o câncer de um paciente, não se tem de fato chance de acertar", disse Ley. "Nos últimos 40 anos, temos enviado generais para a guerra sem um mapa do campo de batalha. O que estamos fazendo agora é construir o mapa."
Grandes empresas estão se envolvendo com a pesquisa, começando a testar medicamentos que combatem um gene em vez de um de tumor.
Por ora, o sequenciamento total do genoma vive sua infância e é assustadoramente complexo. As sequências de genes são apenas o começo – elas vêm em bilhões de pequenos pedaços, como um enorme quebra-cabeça. O trabalho árduo é descobrir quais mutações são importantes, uma tarefa que requer habilidade, experiência e intuição.
'Sensação difícil de descrever'
The New York Times
Até agora, a maioria das pessoas que escolheram esse caminho são ricas e bem relacionadas. Quando Steve Jobs esgotou outras opções para combater o câncer no pâncreas pelo qual havia sido acometido, consultou médicos que fizeram o sequenciamento e a análise de seu genoma. Isso lhe custou US$ 100 mil, de acordo com seu biógrafo Walter Isaacson. O escritor Christopher Hitchens, morto em dezembro passado, recorreu ao diretor dos Institutos Nacionais de Saúde, o Dr. Francis Collins, que o aconselhou sobre onde solicitar uma análise genética de seu câncer de esôfago.
Os eticistas questionam se as pessoas que têm dinheiro devem ter opções que extrapolam em demasia o alcance da maioria dos pacientes antes que tais tratamentos se tornem parte normal da medicina. E será que as pessoas de meios mais limitados ficarão tentadas a levar a família à falência em busca de uma cura? "Se dissermos que precisamos de pesquisas porque essa é uma ideia nova, por que as pessoas ricas já podem ter acesso a ela?", questionou Wylie Burke, professora e presidente do departamento de Bioética da Universidade de Washington. O que representaria uma bênção, disse ela, seria o método se tornar disponível para todos caso ele funcione.
O câncer de Wartman ainda está em remissão, por enquanto, mas ele tem lutado contra uma complicação comum de transplantes de medula, na qual os glóbulos brancos do sangue da medula transplantada atacam as células do organismo do paciente como se elas fossem estranhas. Ele teve erupções e se sentiu mal. Mas essas complicações estão diminuindo gradualmente, e ele está de volta ao trabalho no laboratório de Ley.
Os colegas de Wartman querem procurar a mesma mutação nas células cancerígenas de outros pacientes que têm o mesmo câncer de que ele sofre. E gostariam de começar um estudo clínico com o Sutent para descobrir se a droga pode ajudar outras pessoas com leucemia, ou se a solução que encontraram para Lukas Wartman coube apenas a ele.
Wartman, por sua vez, tem algumas incertezas incômodas. Ele sabe quão sortudo é, mas o que o futuro reserva para ele? Ele pode fazer planos para o resto da vida? Será que está curado? "É uma sensação difícil de descrever", disse ele. "Estou navegando por águas desconhecidas."